Diversas notícias têm circulado na mídia acerca da gravidade da epidemia do novo
coronavírus e da sua propagação em todo o mundo e apesar da incerteza sobre o real
alcance dela e de, até o momento, com um caso confirmado no Brasil, faremos algumas
considerações acerca dos possíveis reflexos dessa epidemia nas relações de trabalho e
das cautelas que devem ser adotadas pelos empregadores.
Para se garantir um meio ambiente de trabalho em condições seguras e de boa
qualidade, deve-se zelar por esses direitos básicos do trabalhador, sendo que a
Constituição Federal estabelece, inclusive, que a ordem econômica deve atentar para o
princípio de defesa do meio ambiente, o que faz com que os empregadores devam ter
cautela em relação aos procedimentos a serem adotados para resguardar a saúde dos
seus trabalhadores.
É sabido que, nos casos de prestação de serviços no exterior, há de se observar os
princípios e garantias gerais previstos na lei de migração (lei 13.445/2017), dentre eles
o disposto no inciso XIV do artigo 4º, o qual determina ser direito do emigrante sair,
permanecer e reingressar em território nacional, mesmo enquanto pendente pedido de
autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de visto em
autorização de residência.
Como se não bastasse a proteção mencionada, em razão do risco de contágio e da
situação alarmante, foi publicada recentemente a lei 13.979/2020, que dispõe
especificamente sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de
relevância internacional decorrente do coronavírus.
Assim, diante do risco de contágio da doença causada pelo novo coronavírus, as cautelas
relacionadas ao meio ambiente de trabalho devem ser observadas não somente em
relação aos trabalhadores que atuam no país, mas, principalmente, nos casos de
trabalhadores expatriados que regressem de países com casos confirmados da doença e
na hipótese de deslocamento de empregados que trabalhem no Brasil para países,
sabidamente, infectados.
Por ser medida de saúde pública e importância internacional, devem ser cumpridas,
prioritariamente, as medidas previstas na lei 13.979/2020, que traz, a definição de
quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação
das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de
transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação) de maneira a evitar a possível
contaminação ou propagação do coronavírus, conforme inciso II do artigo 2º da
mencionada lei.
O período de quarentena deverá ser no mínimo de dezoito dias, por analogia ao período
determinado pelo governo federal ao repatriar os brasileiros de Wuhan, lembrando,
ainda, que a lei determina que tal período deva ser remunerado por ser considerado
falta justificada (parágrafo terceiro do artigo 3º da lei 13.979/2020).
Havendo desrespeito às medidas protetivas relativas à saúde e segurança dos
trabalhadores, as empresas estarão sujeitas não apenas ao pagamento de indenização
por danos morais (por desrespeito aos direitos da personalidade dos empregados, bem
como pela exposição da saúde a risco) e materiais (caso haja comprovação de eventual
prejuízo por parte destes empregados) em razão do descumprimento das normas de
proteção à saúde e segurança dos empregados, mas também correrão o risco de seus
empregados ingressarem com pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho em
virtude de estarem expostos a manifesto risco de mal considerável, nos termos da alínea
“c” do artigo 483, da CLT, por não poderem garantir que tais trabalhadores não serão
infectados.
Outra situação atine à possibilidade ou não de determinação comparecimento de seus
empregados em países infectados pela doença. Em tais casos, como estarão expostos a
perigo manifesto de mal considerável, nos termos do artigo 483, alínea “c” da CLT, não
só poderão se recusar a comparecer, como poderão requerer a rescisão indireta do
contrato de trabalho.
Importante ter em mente que as empresas deverão adotar medidas de proteção à
saúde do trabalhador não apenas aos que regressem ou precisem se dirigir aos países
com suspeita de contaminação, pois, enquanto mantiverem trabalhadores laborando em
países com epidemia, as normas protetivas de saúde e segurança estabelecidas pelas
autoridades destes países deverão ser observadas
Outra questão refere-se à possibilidade de dispensa sem justa causa de empregados que
estejam regressando dos países infectados pelo coronavírus ou se recusem a saírem do
país durante esse período de incertezas. Caso isso ocorra, o risco de tais dispensas
serem discriminatórias é grande, pois ainda que a empresa não possua condições de
conceder trabalho remoto deverá conceder licença remunerada (ao menos pelo período
de “quarentena” até que os sintomas do coronavírus venham a se manifestar), a fim de
que estes empregados não exponham os demais trabalhadores a risco, nem se
exponham a risco de contágio.
Caso as empresas determinem o comparecimento de seus empregados aos locais de
risco, poderão estes vir a solicitar a rescisão indireta de seus contratos de trabalho por
estarem sendo expostos a risco de mal considerável, bem como ao pagamento de
eventual indenização por danos morais e materiais caso venham a contrair a doença ou
passem por situação ensejadora de dano material ou moral, sendo que a viagem, por si
só, a um local infestado por vírus letal acarreta o risco às empresas de terem de pagar
indenização por danos morais.
Portanto, diante do surto internacional provocado por coronavírus, as empresas deverão
proceder com a máxima cautela no trato das questões atinentes a esse problema para
que se obtenha o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais dos trabalhadores que são acima de tudo, seres humanos.
Viviane Licia Ribeiro e Bruno Minoru Okajima *
* Especialistas em relações do trabalho. Sócios do Autuori Burmann Sociedade de
Advogados. |